Saúde e desenvolvimento intestinal – a importância do “segundo cérebro”
Por muito tempo, o intestino foi descrito como um órgão simples com funções digestivas como motricidade, secreção de enzimas, digestão, absorção e imunidade. Entretanto, com a evolução das pesquisas, hoje tem-se melhor compreensão de suas funções. O desenvolvimento e funcionamento pleno do intestino propiciam equilíbrio da microbiota, com reflexos positivos na saúde e no desempenho animal.
O intestino é de fato um órgão sensorial, capaz de perceber seu ambiente interno e se adaptar a ele de forma autônoma, sem qualquer interação com o sistema nervoso central (Furnees et al., 1999). Essa autonomia é feita pelo Sistema Nervoso Entérico, o qual é composto por mais de 500 milhões de células nervosas. Com estas constatações, a comunidade científica tem falado sobre o "segundo cérebro" e a "comunicação intestinal".
O termo segundo cérebro também diz respeito à sua capacidade de operar com autonomia, independentemente de comandos neurais superiores, e isso ocorre mesmo quando nervos que realizam a conexão cérebro-intestino são seccionados (Gershon, 2007).
No sistema nervoso entérico tem-se a presença de ampla e variada gama de neurotransmissores e outras moléculas mediadoras, podendo citar como exemplos, as catecolaminas, acetilcolina, serotonina, glutamato (Yoo e Mazmanian, 2017), entre outras, que participam ativamente do processo de digestão e absorção dos nutrientes.
Catecolaminas: em relação ao segundo cérebro, as catecolaminas (noradrenalina, adrenalina e dopamina) desempenham funções como regulação do fluxo sanguíneo, absorção de nutrientes, interação com o sistema imunológico, microbiota e motilidade gastrintestinal. Aproximadamente 50% da dopamina produzida no organismo se encontra nas imediações do intestino (Xue et al., 2018).
Acetilcolina: no sistema gastrintestinal, sua atuação mais conhecida é aumentar o peristaltismo do estômago e a amplitude das contrações digestivas. A acetilcolina é o neurotransmissor parassimpático primário liberado pelas fibras nervosas pré-ganglionares (as que surgem dos gânglios ao longo da medula espinhal) e pelo nervo vago. Recentemente descobriu-se que neurônios intrínsecos e alguns linfócitos T também produzem acetilcolina. Atualmente, tem-se focado em sua atuação imunológica, com poderosos efeitos anti-inflamatórios periféricos, e numa possível regulação da microbiota.
Serotonina: é um neurotransmissor que ajuda a regular o sono, o apetite e também inibe a dor. Cerca de 95% da serotonina é produzida no trato gastrintestinal, e essa produção é altamente influenciada pelas bilhões de bactérias benéficas que compõem a microbiota intestinal (Selhub, 2015).
Glutamato: além de neurotransmissor, este é o único nutriente entre aminoácidos, açúcares e eletrólitos que ativa o nervo vago através do lado luminal do intestino. Ao fazer isso, estimula a liberação de mucina e óxido nítrico (NO); este, por sua vez, estimula células enterocromafins a produzirem e secretarem serotonina.
O conhecimento da ação e função destas substâncias, assim como o entendimento da complexidade de funcionamento do sistema gastrintestinal sobre a funcionalidade do intestino e da microbiota intestinal, faz-se necessário, para o bom aproveitamento das dietas, a boa saúde e máximo desempenho, principalmente em situações de estresse, como o de alto desafio sanitário.
Por exemplo, sabe-se que o estresse em longo prazo aumenta o nível de cortisol em leitões, o que exacerba o estado de imunossupressão (Donaldson et al., 2002). Como resultado, induz distúrbios na secreção de saliva, suco gástrico e enzimas digestivas, que afetam adversamente o peristaltismo intestinal (mucosite, ulceração gástrica e intestinal). Os distúrbios alimentares e de absorção resultam em crescimento mais lento ou perda de peso (Lallès et al., 2004).
O aperfeiçoamento do conhecimento em nutrição é fundamental para minimizar esses distúrbios digestivos. Vários fatores podem afetar a microbiota intestinal que podem incluir composição da dieta, promotores do crescimento, probióticos, prebióticos entre outros (Jensen, 1998). Esses fatores se tornam mais importantes e determinantes para o máximo desempenho animal, quando sob alto desafio (estresse).
Assim, o conhecimento da funcionalidade do intestino e do sistema nervoso entérico e sua interação com o meio externo (estresse) pode ser determinante no desempenho dos animais.
Para mais informações a Núttria está à disposição, entre em contato pelo e-mail: tecnico@nuttria.com.
Texto escrito por Camila Tofoli - Gerente Técnica da Núttria
Referências
- J B Furness 1, W A Kunze, N Clerc. Nutrient tasting and signaling mechanisms in the gut. II. The intestine as a sensory organ: neural, endocrine, and immune responses 1999; The American Journal of Physiology, Nov;277(5)
- Gershon MD. Transplanting the enteric nervous system: a step closer to treatment for aganglionosis Gut 2007;56:459-461. doi.org/10.1136/gut.2006.107748
- Yoo, B. B., & Mazmanian, S. K. (2017). The Enteric Network: Interactions between the Immune and Nervous Systems of the Gut. Immunity, 46(6), 910-926
- Xue Rufeng, Zhang Huimin, Pan Jun, Du Zhiwei, Zhou Wenjie, Zhang Zhi, Tian Zhigang, Zhou Rongbin & Bai Li. (2018). Peripheral Dopamine Controlled by Gut Microbes Inhibits Invariant Natural Killer T Cell-Mediated Hepatitis. Frontiers in Immunology, 9, 2398. 10.3389/fimmu.2018.02398.
- Selhub, E. (2015). Nutritional psychiatry: Your brain on food. Harvard Health Publishing, Harvard Medical School. Published in https://www.health.harvard.edu/blog/nutritional-psychiatry-your-brain-on-food-201511168626 (Last atualization: april 05, 2018).
- Donaldson, T.M.; Newberry, R.C.; Špinka, M.; Cloutier, S. Effects of early play experience on play behaviour of piglets after weaning. Appl. Anim. Behav. Sci. 2002, 79, 221–231.
- Lallès, J.P.; Boudry, G.; Favier, C.; Le Floch, N.; Luron, I.; Montagne, L.; Oswald, I.P.; Pié, S.; Piel, C.; Sève, B. Gut function and dysfunction in young pigs: Physiology. Anim. Res. 2004, 53, 301–316.
- Jensen, B.B. The impact of feed additives on the microbial ecology of the gut in young pigs. J. Anim. Feed Sci. 1998;7(Suppl. 1):45–64.
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